Paixão pela profissão

Vira e mexe a gente lê num desses posts motivacionais "Faça o que você ama e nunca mais terá que trabalhar". Noooossa o pensamento vai longe quanto eu leio isso. Dá uma frustração porque poxa vida, eu não queria "trabalhar", eu queria ser apaixonada pela minha profissão pra não ficar chateada nas segundas-feiras. Aí a autoajuda de facebook não dá trégua e manda mais um tabefe na cara: Fulano largou a profissão aos 45 anos para viver de sua paixão.

Opa, pera.

E quando você já tem a profissão que queria?

Veja bem, estou falando a profissão que queria, não do trabalho dos sonhos. Sabe, a maioria das pessoas normais que eu conheço cresceu, fez ensino médio e já começou a pensar no que queria fazer. Algumas conseguiram, outras não. Comigo foi assim: Hum, professora é legal, gosto das minhas professoras. Tá aí, é isso o que eu quero.

Não foi assim aquele sonho, aquilo de pensar nisso o tempo todo, de brincar de escolinha o tempo todo, de sonhar com o dia em que estaria pela primeira vez de pé diante da minha turma (olha eu nem me lembro desse dia, viu?) Foi algo normal, então eu fui lá, fiz o Normal (pois é) e me formei, consegui meu primeiro emprego e nunca mais parei de trabalhar.

Eu estava pensando esses dias em como é duro ver que o amor pela profissão vai se apagando. Como, no início, eu dançava com as minhas alunas as músicas das Chiquititas, como eu pintava o narizinho deles para ensinar as cores, como eu brincava como se tivesse a idade deles. Onde está aquela paixão?

Por que a gente sofre tanto pensando que deveria estar apaixonada pelo trabalho quando só o que quer é que chova, que tenha ponto facultativo, que falte luz?

Em primeiro lugar, é porque a maioria das pessoas tem uma coisa fora do trabalho chamada VIDA. Sabe, família, amigos, casa, cachorro, gato. Então é absolutamente normal você querer viver sua vida, da forma que quiser, sem regras e prazos (não o tempo todo) para cumprir. Depois vivemos num mundo capitalista cruel, no qual somos empurrados para o consumo e, ao mesmo tempo, sugados em nossos trabalhos sem receber o suficiente em troca. Então trabalhamos como loucos para ganhar um mísero dinheirinho para sobreviver + ter um tiquinho de conforto pra VIDA. E aí não sobra tempo pra viver o conforto. E assim por diante.

Colocamos nossas forças no anseio de um futuro que parece inalcançável: O dia que eu me aposentar, o dia que eu conseguir comprar um carro, o dia que eu largar uma das matrículas, o dia que eu puder trabalhar mais perto de casa... aí eu paro e me pergunto E SE ESSE DIA NÃO CHEGAR?

Antes de eu fechar a ideia desse texto com algo que pareça uma solução (já adianto que não tem), vou puxar a ideia para o lado da educação: para agravar nossa angústia, a carreira de educador tem sido tão estressante, tão frustrante e tão desvalorizada que o que vemos são profissionais adoecendo, desistindo ou morrendo. E nos parece loucura querer amar um trabalho desse. E ficamos parados pensando "socorro, quero sair daqui. Mas pra onde?"

Gente, TUDO BEM sentir cansaço e frustração no trabalho. Nossa força de trabalho é explorada violentamente neste país, somos escravos modernos. Não somos vagabundos por querer que chegue sexta-feira (ou a próxima folga). O que não dá é para sentir frustração o tempo todo. Não é saudável sentir enjoo e palpitação só de tocar o despertador, ou de se preparar para sair de casa para trabalhar. Ah, tá, e o que fazer quando esta é a realidade? É agora que você vai citar o testemunho do cara que mudou de profissão aos 45?

Não. É agora que eu vou dizer que, VOCÊ PODE ESTAR DOENTE. Depressão, Síndrome do pânico, TOC, TAG, Síndrome de Burnout, entre outras coisas, causam este mal estar constante e DOENÇA TEM QUE SER TRATADA, não é coisa que um coach dizendo pra você mudar seu mindset vai resolver. Vá ao médico!

Ah, mas Aline, meu trabalho é uma merda mesmo, meu psicológico pode mudar, mas meu trabalho não. Então, cara. Pensa no seu papel no mundo. Pensa em como você vai ser lembrado. Pensa se você não vai pelo menos tornar a vida de uma pessoa mais fácil. E se, mesmo assim você se sente um inútil à sociedade na sua profissão, pensa que ela serve para você comprar seu pão e pagar sua conta de internet. Que naqueles momentos onde existe VIDA, você pode rir, se relacionar, amar. Sim, você tem um papel no mundo, mesmo que não seja um workaholic apaixonado pelo trabalho que até de madrugada tá pensando na profissão.

E se você QUISER mudar de profissão, que seja para algo que realmente vai ser melhor para você DE VERDADE. Não só no lado financeiro, mas principalmente que vai te ajudar a ajudar alguém. Eu escolhi minha profissão, eu amo educação mas olha. Eu tenho realmente que TRABALHAR. E muito.

Comentários

Adorei o artigo Aline...

Tenho paixão pela minha profissão e sou multitarefa!
Anônimo disse…
Muito bom o artigo.

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