Educadores à beira de um ataque de nervos.


Há uns dias atrás um idiota qualquer escreveu um artigo, querendo vender a ideia de que professor ganha muito bem e que tem privilégios demais. Não vou aprofundar nos números, vários colegas já fizeram tabelas comparativas, campanhas de boicote à editora da revista, estou acompanhando e apoiando tudo isso, mas não vou entrar nesses méritos aqui. Vou só contar um pouquinho do que os professores e demais profissionais de educação estão passando hoje em dia.

Sou profissional de escola pública há 15 anos. Mas tenho certeza de que meus colegas do ensino privado não estão sofrendo menos do que nós. A cada ano se torna mais difícil ser educador. Temos que lidar com alunos malcriados, agressivos, sem limites. Independente da história de vida deles. A sociedade está produzindo crianças insuportáveis, pobres e ricas. O professor tem que gerenciar a sala de aula, ouvir as mazelas da humanidade, separar brigas, mediar conflitos E ensinar. E ouve pedagogos dizendo que sua aula tem que ser mais dinâmica, lúdica, animada, carnavalesca. Ah, mas tem que ser disciplinada, porque deusmelivre professor por aluno pra fora de sala. Ô raça!

Na sala da orientação, chegam os alunos indisciplinados, pais insatisfeitos e equipes de supervisão dos sistemas educacionais. O orientador até pensa em projetos bacanas pra implementar na escola, mas não consegue porque não é orientador, é bombeiro. Sério, é bombeiro mesmo. Porque além de apagar incêndios frequentemente, ainda ouve da supervisão que é preciso "resgatar" tal aluno. Aluno que às vezes já desistiu de estudar, já está envolvido em atividades ilícitas, que já não tem mais referência familiar. A sociedade, os governantes, a família, o mundo inteiro o empurrou para o crime. Mas a escola tem que "resgatar". Fora os afogamentos. Ficamos afogados nos formulários, relatórios, encaminhamentos, quadros que vem como uma onda gigante e nos engole. No fim, o orientador que era pra ser um elemento de extrema importância na escola passa a ser um "mala sem alça" que "não faz nada de útil" e não faz a menor falta.

E o diretor? Ah, o diretor! Não vou falar aqui do poder, das indicações políticas nem nada. Vou falar da pessoa. Ela tem o triplo de papéis pra se afogar e é legalmente responsável por toda a merda que acontece dentro da Unidade Escolar. E tem que lidar com pequenos e grandes problemas. "Dona Maricota, acabou o sabonete líquido do banheiro de funcionários". "Dona Maricota, o Joãozinho disse que a professora apertou o braço dele". "Dona Maricota, corre que a mãe do Joãozinho tá subindo pra sala de aula e disse que vai "arrebentar aquela vagabunda". Tem que lidar com a falta de professores. Faltam professores e os professores faltam. Ô bicho pra ficar doente esse tal de professor. E fica mesmo, sabemos disso. Mas todo professor (que fica doente de verdade, porque "doença não dá em poste") conhece um(a) colega que "arma pra caramba" e consegue tirar licenças sem dificuldades. O diretor sonha em ser um bom líder, que gerencia uma escola de sucesso, cujos alunos aprendem de verdade e serão "alguém na vida". Mas sabe o que ele acaba sendo, na visão dos outros? Um grande fdp. Não estou dizendo que TODO diretor é bonzinho de coração nem que não há interesses ocultos em algumas relações de poder. Estou falando do dia a dia, considerando que o sujeito é um cara moralmente correto.

O salário? depende da rede. Menor que o piso, maior que o piso, não importa. O quanto for não paga essa responsabilidade toda. Sabemos que uma sociedade como a brasileira nunca vai valoriz
ar suficientemente o professor, na questão financeira. Aposentadoria especial é o mínimo, já que com todo este cotidiano, é raro um cara chegar ao final da carreira sem pelo menos um tarja preta. Imagina ter que morrer trabalhando? Ou se aposentar e ter que gastar toda a fortuna comprando remédios e pagando terapia? É isso o que está acontecendo conosco, mesmo tendo todos os "privilégios" que o babaca do cara escreveu lá no artigo. Imagina quando isso nos for tirado: Sabe o que vai acontecer? Ninguém vai querer ser professor. Se for, vai ser por falta de opção e vai sair assim que tiver oportunidade. Pra que fazer mestrado? só se for pra conseguir um emprego melhor. Até eu tô querendo sair dessa.

Tudo o que eu sou, tudo o que eu construí financeiramente foi graças à carreira na educação. Não estou passando necessidade nem estou rica. Não se trata do dinheiro. Se trata de valorização. De condições de trabalho. De apoio moral. De reconhecer que nada paga a dedicação de um bom professor e de que nós merecemos, no mínimo, não ser tratados como os vilões. Estamos adoecendo e morrendo. Precisamos de respeito. Mais pra frente quero escrever sobre a saúde do professor. Se alguém tiver um bom material pra me indicar, agradeço!

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