Quando a memória digital quer se sobrepor à emocional


Nossa, parece enredo de escola de samba, esse título. Ficou grande, mas foi a forma mais resumida de dizer o que eu quero hoje.

Muitas vezes eu me pego com raiva de mim porque não tirei quase nenhuma foto de barriga, porque não filmei Mateus na uti, nem quando chegou em casa, porque não fiz um depoimento gravado nesses momentos, e tal. Acontece que eu não tinha tanta tecnnologia assim há 4 anos atrás, tinha uma câmera vagabunda que nem filmava com áudio. E também não tinha tanto acesso a internet, pra querer postar vídeo e fotos. Olha aí, estou ficando com raiva de novo...

Faço uma força danada pra lembrar e não deixar sumir da mente as míseras 28 semanas que tive Mateus na barriga, exceto as partes de perrengue, que ocuparam a maior parte. Fecho os olhos e fico tentando sentir a delícia de um filho mexendo, os planos, o carinho das outras pessoas... a alegria do positivo, as ultrassonografias... a parte boa, né, porque também teve parte boa, mas o que fica marcado é a dor, não sei porque.

E quando ele veio pra casa? A amamentação, os sorrisos, aquele biquinho de criança tentando conversar (óóóó... uuuuu... dadada...), as espreguiçadas dentro do pagãozinho, os banhos... como essas cenas vão ficando fraquinhas na minha mente, parece que estão sumindo! E ele já tem 4 anos, é muito tempo pra ter passado tão rápido. E muito pouco tempo pra eu esquecer tudo.

Hoje em dia eu tiro foto de tudo, filmo, não posso perder nenhuma cena. Quero registrar tudo, pra guardar pra sempre. Sempre? se me roubarem o celular, babou, adeus Mateus rezando pra dormir, adeus musiquinha da escola, adeus foto dele dormindo no meu colo. Ah, mas isso é fácil, é só baixar pro computador e fazer um backup de segurança. E se o computador quebrar, se o cd arranhar, se o pendrive se perder? O que estou tentando dizer é que a memória digital sempre vai correr riscos, enquanto a memória emocional deve durar para sempre. E estamos confiando demais na memória digital, e deixando a emocional se apagar.

Por exemplo, o celular da minha melhor amiga era uma coisa que eu sempre tive de cabeça, não importava quantas vezes ela o trocava. E outro dia eu me dei conta de que eu não sei mais. Nem o celular da minha irmã, nem o do meu pai. Fica gravada na agenda do celular, e pronto. Quando eu quiser, é só ir lá e pegar. Não acho que a gente tenha que ficar memorizando números de telefone, acho que é gastar a mente à toa. O que eu penso é que os momentos e as coisas importantes estão se resumindo a pendrives e memory cards. Gravei, ótimo. Quando eu quiser ver, é só apertar o play. E a imagem que deveria ter ficado gravada no coração?

Esses dias eu fiquei sozinha resgatando essas imagens, esses momentos, falando sozinha mesmo, chorando, sorrindo e me arrepiando. Conversando com meu coração para retomar os momentos mais felizes que eu simplesmente deixei pra lá. O momento em que ouvi o "positivo, tá?" pelo telefone, o Alan se ajoelhando e beijando minha barriga quando chegou do trabalho, as conversas que tinha com Mateus na barriga, os carinhos, os movimentos, os presentes... os momentos dele pequenininho em casa, o colo, os olhinhos brilhantes, os sorrisos... enfim, tudo o que realmente é bom lembrar. Foi reconfortante resgatar esses momentos, mesmo sem que eles estejam registrados no computador ou no memory card.

Então, amigos, é hora de fazer um backup do seu coração, ir lá no fundo, restaurar os arquivos da lixeira da sua mente, e resgatar as lembranças mais importantes e felizes da sua vida. Não importa se você fotografou (se sim, melhor ainda), mas feche os olhos e viva tudo (o que vale a pena) de novo. Você vai se pegar sorrindo ou chorando sozinho, falando, cantando, vai sentir o mesmo frio na barriga de novo. Não deixe os arquivos da sua vida se corromperem pelo vírus da modernidade. E daqui pra frente, tente algumas vezes (não todas, hehe), em vez de correr para pegar o celular e filmar, observar com todo o amor e finalizar a cena com um abraço. A imagem que fica no coração é muito mais forte do que a do computador. Beijo no coração!

Comentários

Unknown disse…
Acho que o título desta sua postagem deveria ser "Quando nós queremos que a memória digital se sobreponha à emocional". Digo isso hoje depois de quase enlouquecer tentando resgatar as minhas memórias digitais. Consegui. Algumas...
Porque tentamos desesperadamente resgatar algo que "plim" simplesmente pode sumir, se temos algo que é incorruptível que são nossas lembranças e nossos sentimentos. Acredito que fazemos tanta questão desta recuperação para mostrarmos para outras pessoas a intensidade da nossa felicidade ou "olha como meu filho é lindo" ou "você viu meu filho hoje?" Lembra? rss
Quando nós éramos crianças não tínhamos nada desta tecnologia de hoje e temos as melhores memórias das nossas vidas. Melhores até que algumas criaças nascidas após o advento da internet possam ter. As fotos não tem cheiro nem a sensação do toque. Por exemplo: que foto poderia ter o cheiro da minha mamadeira cor de rosa que há mais de trinta anos eu ainda sinto ou a maciez da pele da pelanca do braço da vó Talina. Isso é que é incorruptível! Existiria algum Movie Maker que registrasse a magia de ver o glitter caindo da cortina nova da nossa mãe naquele dia em que ela nos contou que iríamos para a nossa casa nova? ou a nossa cara de felicidade quando chegamos no apartamento novo?. Ah! Como eu queria ter um hd externo para as minhas memórias mais antigas para que em uma breve pane as memórias mais recentes não se fizessem mais importantes do que aquelas que me fizeram ser quem eu sou hoje.
Parabéns pelo seu blog. Me visita lá!
Beijocas, Daniela.

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